Em um cenário onde os jogos de azar online se tornam cada vez mais populares, é quase irônico lembrar que, há quase oito décadas, o Brasil proibiu a operação de cassinos em seu território. Em 30 de abril de 1946, o então presidente Eurico Gaspar Dutra assinou o Decreto-Lei nº 9.215, que proibia a prática e exploração dos jogos de azar em todo o país. A justificativa era uma tentativa de proteger a “moral e os bons costumes” e se alinhar com a tradição jurídica e religiosa da época.
A decisão de Dutra representou o fim de uma era dourada dos cassinos no Brasil, nos anos 1930 e 1940. Naquela época, cassinos eram sinônimo de entretenimento sofisticado, onde homens e mulheres da alta sociedade apostavam em roleta, cartas e jogos de mesa. Além dos jogos, os cassinos ofereciam uma experiência completa, com restaurantes, salões de baile, apresentações musicais e espetáculos artísticos. Estima-se que cerca de 55 mil empregos tenham sido perdidos com o fechamento dos cassinos, impactando trabalhadores de diversas áreas, como cozinheiros, garçons, músicos, maquiadores e crupiês.
A Persistência da Proibição e o Avanço dos Jogos Online
Mesmo com a proibição, o debate sobre a legalização dos cassinos e outras modalidades de jogos de azar nunca saiu da pauta legislativa. Diversas propostas surgiram tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados ao longo dos anos. Enquanto isso, a prática de jogos de azar se adapta e persiste de outras formas, tanto nas loterias oficiais como a Mega-Sena, Lotofácil e Timemania, quanto nos populares sites de apostas online, como Bet365, Betano e Sportingbet, que oferecem jogos de cassino e apostas esportivas acessíveis a partir de qualquer dispositivo conectado à internet.
Reconhecimento Legal dos Jogos e as Contradições da Legislação Brasileira
Curiosamente, a legislação brasileira reconhece o jogo de forma indireta. Por exemplo, o Código Penal menciona práticas e estabelecimentos relacionados a jogos em artigos específicos. A recente Lei Nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023, regulamentou as apostas de quota fixa, estabelecendo normas para operadores e reforçando a arrecadação de impostos para a Fazenda Pública.
A própria lei menciona “jogos de azar” e estipula exigências para garantir a integridade e segurança dos apostadores, como a identificação facial e monitoramento da atividade dos jogadores. Esse reconhecimento reforça a relevância econômica dos jogos de azar, ao mesmo tempo que evidencia uma contradição: embora sejam uma fonte de receita para o governo, os jogos de azar continuam a ser considerados uma contravenção penal, conforme o artigo 50 da Lei das Contravenções Penais de 1941.
A Questão dos Cassinos e a Análise do STF
A atual proibição dos cassinos e o tratamento dos jogos de azar como contravenção estão sob avaliação do Supremo Tribunal Federal (STF). O Tema 924, em tramitação, debate se a exploração de jogos de azar é ou não compatível com a Constituição Federal. O julgamento do STF poderá abrir caminho para a legalização ou regulamentação dos cassinos, reconhecendo-os como uma atividade econômica legítima e regulada.
O Impacto Econômico da Legalização
A legalização dos cassinos e de outros jogos de azar poderia representar um avanço significativo para a economia brasileira. Em outros países, como os Estados Unidos e várias nações da Europa, a indústria de cassinos e apostas gera milhares de empregos e contribui com bilhões em impostos. O Brasil, com seu potencial turístico, poderia se beneficiar com a construção de cassinos-resorts, atraindo não apenas jogadores, mas também turistas que buscam entretenimento de alta qualidade.
Além disso, a legalização poderia ajudar a combater a operação de cassinos clandestinos e redirecionar as receitas para investimentos em saúde, educação e segurança. Em vez de criminalizar os jogos de azar, a regulamentação e monitoramento da atividade poderiam garantir que eles funcionem de forma segura e responsável, com regras claras para proteção dos jogadores e arrecadação de impostos.
Conclusão: Uma Nova Perspectiva para os Jogos de Azar no Brasil?
A legislação sobre jogos de azar no Brasil reflete as tensões entre moralidade, economia e modernidade. A proibição de cassinos, datada de 1946, contrasta com a realidade atual, onde as apostas online são amplamente acessíveis. Com a possibilidade de uma revisão no STF, a questão da legalização dos cassinos pode ganhar novos rumos, conciliando tradição e inovação.
Embora ainda prevaleça o “faz de conta” — onde os cassinos são ilegais, mas as apostas online proliferam —, o Brasil está cada vez mais próximo de um momento decisivo para sua política de jogos de azar. O futuro dessa indústria no país dependerá de um entendimento mais pragmático e regulatório, que permita aos jogos de azar contribuir positivamente para a economia, de forma transparente e regulamentada.